Avaliação diagnóstica vai medir extensão dos impactos da pandemia na vida escolar na Rede Estadual de Ensino
Busca ativa pós pandemia minimiza evasão escolar e riscos de rompimento com o processo de aprendizagem
A Secretaria de Educação de Mato Grosso do Sul ainda tabula dados sobre os impactos da pandemia na vida escolar, mas já dispõe de vários indicadores que mostram as motivações que levaram estudantes a deixar de cumprir atividades escolares, aumentando os riscos de rompimento com o processo de aprendizagem. Outro ponto no foco das ações de retomada das aulas presenciais na Rede Estadual de Ensino diz respeito à violência e violações de direitos. Alguns sintomas observados no retorno presencial às aulas estão sendo objeto de avaliação permanente da Coordenadoria de Psicologia Educacional da Superintendência de Políticas Educacionais, entre eles a ansiedade, depressão e comportamento autolesivo. De acordo com a SED-MS, todas as sintomatologias precisam da interlocução com a saúde mental, tendo a escola o papel de acolhimento e articulação com a Rede de Proteção de Crianças e Adolescentes.
A coordenadora de Psicologia Educacional na Superintendência de Políticas Educacionais da Secretaria de Educação de Mato Grosso do Sul, Paola Lopes Evangelista, fala sobre o impacto da pandemia no processo de aprendizagem. Confira a entrevista:
Pergunta – Ao lado da avaliação diagnóstica, que diz respeito ao conhecimento e aprendizagem, a SED-MS já dispõe de indicadores sobre os impactos da pandemia no comportamento de alunos e professores?
Paola Lopes Evangelista – A Secretaria de Educação do Estado pensa e concebe o estudante de forma integral, levando em consideração os múltiplos aspectos e condicionantes – sociais, culturais, biológicos e econômicos. Dessa forma, dentro do contexto pós-confinamento e volta às aulas presenciais, foi elaborado questionário que tem a finalidade de produzir um indicador socioemocional dos estudantes, a partir da percepção pessoal sobre suas emoções e os efeitos da pandemia em suas vidas. Nesse sentido, o resultado dessa proposta servirá como um mapa e uma fotografia das questões que envolvem a saúde física e mental dos estudantes, bem como a compreensão da aprendizagem e sua continuidade no processo educativo. Os estudantes estão respondendo ao questionário que vai permitir à Coordenadoria de Psicologia Educacional diagnosticar a extensão dos impactos.
P – Quais os principais efeitos causados no comportamento dos alunos e professores depois de tantos dias de aulas presenciais suspensas? Há casos relatados de crise de ansiedade coletiva?
Paola Lopes Evangelista – A pandemia foi e é um contexto que não podemos deixar de qualificar, período de afastamento/confinamento social, onde rotinas, regras, alimentação, sono, muitas horas na internet, pouco convívio social, dificuldades em dar continuidade ao processo educativo, afetaram de forma individual com reflexos na coletividade cada um dos nossos estudantes. Vale destacar que as situações de violências e violações de direitos também foram registradas. Os cenários brasileiros e mundiais de incertezas em todos os aspectos potencializaram as demandas do cotidiano escolar[1]. Dentre os principais sintomas observáveis no retorno presencial às aulas estão: ansiedade, depressão, ideação suicida, comportamento autolesivo, entre outros, lembrando que todas essas sintomatologias precisam da interlocução com a saúde mental, tendo a escola o papel de acolhimento e articulação com a Rede de Proteção de Crianças e Adolescentes.
P – Como a Educação está lidando com as desigualdades no processo de retomada do ensino presencial, considerando que há segmentos que minimizaram em razão do acesso ao ensino remoto e faixas de alunos mais vulneráveis e sem ou pouco acesso à internet?
Paola Lopes Evangelista – Desde o início da pandemia a Secretaria de Educação tem se preocupado com as singularidades e especificidades dos estudantes, em especial os mais vulneráveis socialmente. Então a primeira coisa que se fez foi dar espaço para estas reflexões e discussões na Secretaria com vistas a orientar as escolas estaduais, para planejar ações e condutas pedagógicas adequadas, ou seja, olhando para os condicionantes desses estudantes. Concomitantemente, instrumentalizou a equipe escolar diante das situações de violência e violação de direitos, pois os dados mostram que é na escola que muitas dessas situações são relatadas ou mesmo observadas.
A escola também teve o cuidado, em especial com aquelas famílias que não tinham ferramentas (celular/notebook/tablete) e também internet, disponibilizando atividades pedagógicas impressas, sendo planejadas de tal forma que o estudante pudesse realizar com autonomia. Nas escolas do campo, utilizaram o ônibus escolar para levar até as casas/fazendas/chácaras dos estudantes o material impresso e em alguns casos faziam visitas domiciliares se não conseguiam acessar a família.
A SED também ofereceu espaço pedagógico através do Projeto Conversas Colaborativas, que escutou 122 escolas com encontros virtuais com até 5 escolas, onde a gestão escolar e coordenação pedagógica puderam dividir, partilhar e tirar dúvidas diante das dificuldades impostas pela pandemia.
Outra preocupação foi em relação ao acesso aos conteúdos, diversificando o meio de comunicação, ofertando vídeos aulas pela TV e Internet.
Em tempo, a metodologia de Busca Ativa foi desenvolvida e aprimorada nas escolas estaduais. Durante o processo de isolamento físico e aulas remotas, por motivos dos mais variados, estudantes deixaram de cumprir as atividades escolares com risco de romper com o processo de aprendizagem. Dessa forma a SED reforçou e ampliou a Busca Ativa Escolar no período de pandemia, uma ação da escola para compreender os condicionantes que estavam levando os estudantes a abandonar o processo educativo, ou seja, o porquê do estudante deixar de cumprir seus deveres e se afastando do processo de aprendizagem, para que assim a escola pudesse estruturar um plano de ação pedagógico, seja na mudança de formato de acesso às atividades (virtual para impresso) seja na adequação pedagógica.
P – Sabemos que para uma parcela da população (em situação de vulnerabilidade socioeconômica) a escola é um espaço de aprendizagem, sociabilização, desenvolvimento emocional e, até mesmo, segurança alimentar. Do ponto de vista emocional, privados desse ambiente, como está, de modo geral, a saúde mental dos alunos que dependiam da escola para atender a essas necessidades psicossociais?
Paola Lopes Evangelista – A escola é um espaço coletivo da aprendizagem e do conhecimento, com vistas a uma formação cultural e científica emancipadora, bem como um espaço plural de acolhimento, cuidado e promoção humana, visando as subjetividades e o desenvolvimento integral dos estudantes. Por essa constituição, é nesse espaço que se refletem também as diferenças individuais, sociais e culturais, entre outras, possibilitando um ambiente de diálogo, respeito recíproco, autonomia, proteção e garantia dos direitos estabelecidos.
De um modo geral todos fomos afetados, uns mais outros menos, por termos estudantes em todos os municípios temos observados, recebidos telefonemas e e-mails da gestão escolar da Rede Estadual de Ensino na Coordenadoria de Psicologia Educacional, relatos e pedidos de suporte no acolhimento e encaminhamento dos casos. Dessa forma a Coordenadoria desenvolveu documentos norteadores que colaboram nessa construção pedagógica dessas situações que necessitam de articulação entre a escola, família e Rede de Atendimento.
P – Qual a importância da relação da escola com o núcleo familiar do estudante para ajudar no comportamento do estudante em seu aprendizado e na interação com os colegas de escola?
Paola Lopes Evangelista – Fundamental e necessária, quando falamos em desenvolvimento integral e aprendizagem não podemos desconsiderar que contexto social esses estudantes e essas famílias estão inseridas. Dessa forma como está garantido no Estatuto da Criança e do Adolescente no seu Art. 4º – É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Sendo assim família e escola são corresponsáveis dentro do processo educativo, devendo sempre manter o diálogo aberto, sendo uma via de mão dupla.
P – Qual é o raio de atuação da psicologia escolar e educacional na Rede Estadual de Ensino em Mato Grosso do Sul?
Paola Lopes Evangelista – A Coordenadoria de Psicologia Educacional (COPED), vinculada à Superintendência de Políticas Educacionais (SUPED/SED), comprometida com os princípios e fins da educação nacional e as políticas públicas de defesa e proteção integral de crianças e adolescentes, desenvolve um trabalho coletivo e integrado à comunidade escolar, a fim de colaborar com as práticas e condutas pedagógicas que visem o desenvolvimento e formação integral dos estudantes da Rede Estadual de Ensino (REE) e atores educacionais.
A Psicologia Escolar e Educacional traz consigo novos olhares e concepções de saberes científicos e metodológicos que a ciência da psicologia pode contribuir, com consistência acadêmica e profissional, para possibilitar uma formação cultural e científica que visa o desenvolvimento humano e as potencialidades dos estudantes.
Nossa prática não é clínica, dessa forma nossa proposta de trabalho evidencia-se a superação das perspectivas individualizantes, medicalizantes e remediativas que permeiam a trajetória da psicologia e a educação, propondo um trabalho colaborativo e multiprofissional que considere a diversidade social, cultural, econômica, étnica, os territórios e as várias situações do cotidiano escolar que perpassam o fazer pedagógico dos sujeitos envolvidos no processo.
Nessa construção, a COPED viabiliza também com as escolas, a articulação intersetorial e interinstitucional envolvendo os setores da saúde, assistência social, justiça e segurança pública para garantia de direitos estabelecidos, a fim de proporcionar que os estudantes permaneçam no processo de escolarização com suporte pedagógico e socioassistencial, nas questões que venham a incidir no processo de ensino e aprendizagem ou violar os seus direitos.
[1] Entendemos por demandas do cotidiano escolar as situações inerentes aos estudantes que se referem principalmente aos fatores relacionados às dimensões sociais, éticas, econômicas, ambientais, culturais e estruturais advindos da territorialidade e do contexto familiar, identificados na escola. Estes fatores são um desafio e ao mesmo tempo oportunidade para a instituição escolar em problematizar estes fenômenos, pois mobilizam os atores escolares a buscarem, cotidianamente, soluções possíveis às situações emergentes que de alguma forma interferem no trato pedagógico e no processo de ensino e aprendizagem.
Edmir Conceição, Subcom
Fotos: Juarez Júnior