Mulheres são 61,5% das pesquisadoras científicas que recebem bolsas da Fundect
O Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, por meio da Fundect (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul), tem desenvolvido ações que valorizam e fomentam o protagonismo das mulheres na pesquisa científica. Um exemplo é a quantidade de bolsas ofertadas. Atualmente, a Fundação possui mais de 552 bolsistas mulheres, número que representa 61,5% dos 901 pesquisadores beneficiados.
No entanto, novas ações têm por objetivo promover a inclusão de mais mulheres na academia e, para além disso, oportunizar que elas exerçam cargos de liderança. “Além das bolsas, a Fundect e o Governo do Estado entendem que é necessária a execução de ações afirmativas no sentido de atenuar a assimetria de gênero na liderança de projetos científicos no âmbito do Estado, proporcionando assim um maior protagonismo feminino no desenvolvimento da ciência regional”, explica o diretor-presidente da Fundect, Márcio Pereira.
Uma dessas ações é o Edital Mulheres na Ciência Sul-Mato-Grossense, que tem por objetivo principal selecionar e apoiar projetos de pesquisa e inovação que contribuam para o desenvolvimento regional, mas que tenham um diferencial: sejam coordenados por pesquisadoras mulheres. Os investimentos na chamada somaram R$ 2 milhões em 2022, com previsão de aumento nos recursos para este ano.
Dentre os 26 projetos apoiados pelo edital atual, dois se destacam por lançar luz sobre questões importantes, como a identificação e combate à violência histórica cometida contra as mulheres fronteiriças e a necessidade de ampliar as pesquisas sobre a atuação feminina na sociedade atual. Os trabalhos trazem importantes reflexões que podem contribuir para diminuir diferenças e consolidar um Estado mais inclusivo e próspero.
Marinete Rodrigues: Vencendo barreiras e preconceitos pela igualdade na ciência
“Mulheres fazem ciência, e não em condições especiais ou de forma diferente. Não há um modus operandi ou estilo feminino de fazer ciência. Cientista pode ser mulher ou homem e ambos podem trazer resultados positivos para a sociedade”. Essa é a verdade testemunhada por Marinete Aparecida Zacharias Rodrigues, Doutora em História, professora na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e pesquisadora pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado (Fundect).
Marinete é uma das muitas cientistas que quebram barreiras e preconceitos de gênero na ciência, provando à sociedade a necessidade do protagonismo feminino. Segundo ela, mais importante do que o aumento das mulheres nas várias facetas sociais, como formação e pesquisa, é urgente oportunizar estudos científicos, liderados por elas, que evidenciem a presença feminina.
Com o projeto “Gênero e Ciência: a participação das mulheres na carreira científica em Mato Grosso do Sul”, por meio da “Chamada Fundect 10/2022 – Mulheres na Ciência Sul-Mato-grossense”, a historiadora observou a inexistência de investigações científicas com análises e resultados aprofundados sobre a participação feminina nas ciências e tecnologias (C&T) no Estado.
Conforme dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), somente 32% das Bolsas de Produtividade em Pesquisa (PQ) e Produtividade em Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora (DTI) são concedidas às mulheres em Mato Grosso do Sul. Número abaixo do nível nacional, cenário no qual representam 43,7% dos pesquisadores científicos.
“Ainda que se tenha avançado na valorização da participação das mulheres nas ciências, vislumbramos uma sub-representação delas na C&T e em posições de prestígio como pesquisadoras. Ao considerarmos a ciência como exercício racional, atrelado ao pensamento arcaico de mulheres como seres inferiores e incapazes de possuir intelectualidade crítica e objetiva, pois são tidas como excessivamente emotivas, temos a negação do direito em exercer a ciência na maioria das áreas do conhecimento. Um estereótipo que precisa ser superado por não servir de base epistemológica para novas teorias e metodologias”, afirma a docente.
A atual pesquisa de Marinete possui raízes mais antigas em relação à luta pela equidade de gênero. Durante sua graduação em História, por meio de bolsa de iniciação científica (PIBIC), ela pôde desenvolver um projeto que analisava os processos criminais do século XIX, no período de 1836 a 1889, da Comarca de Corumbá. Ao estudar a documentação, ela ficou perplexa com a violência dos casos contra diversas minorias, principalmente as mulheres.
Desde então, suas investigações foram direcionadas tanto para as relações de poder no Estado (mestrado), quanto para a brutalidade nos mais diversos sentidos contra elas (doutorado). “Conforme avançava nas pesquisas, mais evidências iam mostrando que a violência era parte de uma cultura presente nos comportamentos e na estrutura hierarquizada de poder político e econômico de uma elite burocrática e política. Essa estrutura ainda subjuga os desfavorecidos e marginalizados socialmente em função de seus interesses e prerrogativas políticas e econômicas”, destaca.
Marinete é também Presidente da Comissão de História da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ) e sofreu preconceitos a cada conquista de sua carreira. “Fui discriminada por ser mulher, por ser mais velha que a maioria dos colegas com os quais estudei e por ser determinada e incisiva no que queria. Mas nada se compara com o preconceito que vi acontecer com mulheres negras, quilombolas, indígenas, PcD e LGBTQIA+ no decorrer da minha jornada acadêmica”, alerta.
Cláudia Carvalho: Os desafios enfrentados pelas mulheres fronteiriças
A visibilização e a relevância de mulheres pertencentes às minorias no campo científico como mais uma forma de combate às opressões direcionadas a estas são inadiáveis. Por isso, assim como a professora Marinete, a Doutora em Educação e professora da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Cláudia Cristina Ferreira Carvalho, trabalha como porta-voz daquelas relegadas à invisibilidade.
Com o investimento da Fundect, o trabalho intitulado “Estudo comparativo das redes de bem-estar protagonizado por mulheres em cidades-gêmeas de Mato Grosso do Sul, com base na superação das violências, desigualdades e vulnerabilidades” busca a compreensão dos desafios enfrentados por diferentes mulheres nos espaços fronteiriços de modo a ampliar a problematização das distinções e semelhanças que as unem.
De acordo com a Portaria nº 213, de 19 de julho de 2016 do Ministério da Integração Nacional, com publicação no Diário Oficial da União Mato Grosso do Sul, consideram-se cidades-gêmeas os “municípios cortados pela linha de fronteira seca ou fluvial, articulada ou não por obra de infraestrutura, que apresentem grande potencial de integração econômica e cultural, podendo ou não apresentar um encontro com uma localidade do país vizinho”.
O projeto da pesquisadora Cláudia abarca Dourados e as cidades-gêmeas do Estado: Coronel Sapucaia, Bela Vista, Porto Murtinho, Mundo Novo, Ponta Porã (na faixa Brasil e Paraguai) e Corumbá (na fronteira Brasil e Bolívia).
Segundo a especialista em educação, tais regiões abrigam um profundo fluxo de pessoas, imigrações e produtos, bem como os diversos tipos de violência. Mulheres pertencentes às minorias e residentes na fronteira lutam contra o feminicídio, crimes transnacionais organizados, exploração do trabalho associado a imigração mundial feminina dos países periféricos em crise, tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, entre outros.
“O trabalho com mulheres subalternizadas refere-se àquelas que têm sofrido de modo particular os processos de exclusão, discriminação, desigualdades injustas geridas e gerenciadas pelos sistemas de opressão e exploração que são o capitalismo, o hetero-patriarcado e o colonialismo, reforça Cláudia.
Ela enfatiza a importância de redes de apoio que possam subsidiar suporte necessário nestes casos. “Um dos objetivos do projeto é, justamente, elaborar um mapeamento do quantitativo de mulheres que se encontram nesse grupo de fragilidade, podendo ouvir suas experiências nos desafios por elas protagonizadas que lhes permitam realizar trocas de saberes e solidariedade ante as violências sofridas, construindo redes de solidariedade para um outro mundo possível, para além das opressões sofridas. Acredito que a escuta profunda do que elas dizem terá um impacto social loco-regional significativo, servindo também como referência para outras regiões do país”, salienta.
Este olhar especial às mulheres fronteiriças foi despertado em Cláudia após sua experiência na Coordenação da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso (SESP-MT). Ao implementar o Centro de Referência em Direitos Humanos, a cientista trabalhou diretamente com o atendimento de populações vulnerabilizadas, principalmente mulheres encarceradas, tema também discutido em sua tese de doutorado.
“Para além da linha de doutoramento, tenho me dedicado a estudar e problematizar em minhas pesquisas, as duas grandes estruturas produtoras de desigualdades: O patriarcado como um sistema de hierarquias de poder desigualdade entre homens e mulheres e, não menos cruel, o racismo”, explica a educadora.
“Como pesquisadora da UEMS, destaco a importância de ter um projeto de pesquisa aprovado na Fundect para analisar como as práticas e as ideologias alicerçadas no gênero estruturam o conhecimento e a distribuição das oportunidades. Uma sociedade que se quer científica e tecnológica não pode continuar naturalizando a não presença das mulheres no fazer ciência”, ressalta Marinete.
Para Cláudia, a Fundação desempenha um papel crucial no amparo dos estudos que possuem o potencial em contribuir com as políticas públicas estaduais nas mais diversas áreas, com ênfase na união da justiça social, cognitiva, racial e de gênero.
“O que o patriarcado tem feito é invisibilizar as narrativas e experiências das mulheres. Sendo assim, realizar uma pesquisa com mulheres da/na fronteira, em particular nas cidades gêmeas de Mato Grosso do Sul, é um momento muito especial na construção de novas experiências acadêmicas, somando à minha caminhada pessoal e profissional, informa.
Investimentos em Ciência para um estado próspero, inclusivo, verde e digital
A Fundect é a fundação do Governo do Estado responsável por fomentar o desenvolvimento científico, tecnológico e a inovação em Mato Grosso do Sul. Ligada à Semadec (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação), em 2022 a Fundação se consolidou como referência nacional, devido ao grande volume de investimentos realizados, mesmo durante um momento em que a ciência, nacionalmente, sofreu desvalorização.
A Fundação também lançou editais inovadores como o MS Carbono Neutro e editais que atendem aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Atualmente, a Fundação lidera rankings de ofertas de bolsas de mestrado e doutorado no Estado, em comparação com outras fundações estaduais de amparo à pesquisa espalhadas pelo país.
Os investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação em Mato Grosso do Sul, nos últimos 8 anos (2015-2022), somam aproximadamente R$ 180 milhões. Esse montante representa 66% de todo o valor investido na história da Fundect desde que foi criada, em 1998.
Paulo Ricardo Gomes, Fundect
Larissa Adami, estagiária de jornalismo/estágio supervisionado